Crítica – José Bechara, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro

Felipe Scovino

Crítica – Focus Brazil
Flash Art Vol. XLIV, n. 278, Maio-Junho 2011 (imprensa)

 

 

A exposição Fendas estabeleceu um atravessamento da carreira de José Bechara. Ao longo de cerca de 20 anos de trabalho, a obra de Bechara atingiu uma maturidade e coerência, que foram estabelecidas em torno de três temas: a sua prática fenomenológica de fundar uma dimensão de tempo para a pintura; a forma sutil como lida com o espetáculo estabelecendo uma espécie de estabilidade provisória entre caos e ordem; e, finalmente a passagem de uma obra que caminha suavemente do plano ao espaço, advinda de um estreito diálogo entre o desenho e o desejo em se tornar tridimensional.
No exercício de alterar a percepção do espaço pelo tempo, Bechara incorpora a morosidade da oxidação como condição para a aparição do aleatório. As modificações que ocorrem nas pinturas oxidadas sobre lona de caminhão – suas marcas, texturas e manchas – tecem a passagem de um “corpo”. A sobreposição de volumes, a cor e a textura estão presentes, mas agora tendo que ser decifrados entre camadas sobrepostas de aço oxidado, tecido corroído e uma estrutura que cada vez mais quer deixar de ser pintura para tornar-se “pele”.
Nesse percurso de experimentação acerca do espaço, a casa é um índice frequente na obra do artista. Entretanto, é uma casa que procura ser esvaziada; portanto, ao mesmo tempo em que deseja ser ocupada pelo vazio, torna visível o que estava escondendo ou sendo mantido em âmbito privado. Situa-se em uma zona de conflito, porque nessa imagem dionisíaca e hostil de uma escultura que se faz no turbilhão do caos, o artista quer demonstrar que “o vazio tem solidez, é uma matéria.” É um vazio que se coloca como personagem de um enredo trágico.
A aparição da casa como índice já havia acontecido, mas em séries de desenhos. “O desenho é meu diário”, diz Bechara. Portanto, é nesse diálogo intermitente, e mais ainda numa transição inquietante, entre ser bidimensional (ou ideia de um ambiente instalativo) e buscar o espaço que a obra de Bechara se funda.

 

 

Felipe Scovino é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro