Art Nexus n.54 vol. 3

Eugenio Espinoza

Miami, EUA, 2004
(imprensa)

 

 

Nas mãos do artista brasileiro José Bechara, a casa comum alcança seu potencial de ser qualquer coisa, menos simples. Ao fazer pequenas alterações aos elementos padrão da casa de qualquer um – a porta, a janela, a cama, a mesa e a cadeira – Bechara desafia fundamentalmente nossa noção de um abrigo, enquanto revela o poder simbólico que estes elementos têm na imaginação coletiva.

A instalação de móveis “Agora Não, Por Favor” (2006) é uma boa introdução aos recursos utilizados por Bechara para expor as bases conceituais dos símbolos do abrigo. As linhas limpas e os tons mudos do plástico laminado e dos móveis modernistas de madeira dos anos 60 e 70– especialmente a grande mesa branca e redonda que fornece uma espécie de eixo para o arranjo – facilmente se resolvem nos elementos decomposição da abstração geométrica. Eles são nada mais do que círculos e quadrados, mas seu poder simbólico é inalterado pelo seu arranjo.

O que faz o resultado extraordinário é a capacidade de Bechara de identificar e criar combinações destes elementos que contradizem nossas idéias sobre como eles devem se relacionar. Um colchão, de um poderoso e brilhante azul-petróleo que alivia o conjunto monocromático, serve como um tipo de cama para o caos de mobiliário do artista. Mesas emergem de escrivaninhas ou brotam de uma estante inclinada para fora da composição em um ângulo precário. Uma lâmpada iluminada, descansando verticalmente no topo da desordem, coroa a composição e a retira enfaticamente do reino da possibilidade enquanto simultaneamente confirma sua perfeita possibilidade. O bom de senso do espectador quase exige uma intervenção que produza uma desordem menos desorientadora.

Desde as portas de vidro abertas dos armários que se espelham nas janelas nas fotografias de Bechara até a superfície da mesa manchada de água que ecoa na oxidação de uma escultura, o que parece ser uma combinação estranhamente aleatória, é na verdade um guia útil para entender os processos conceituais do artista. Uma mesa não deixa de ser uma mesa simplesmente porque ela está apoiada num ângulo”desconfortável” entre outros móveis também colocados em posições não convencionais que contrariam a expectativa do espectador em relação a seu uso. A função constantemente desafia a forma no trabalho de Bechara. Ele começa com perguntas cujas respostas são sempre “porque” e então fornece várias alternativas de respostas que mostram que a resposta padrão não é inevitável.

As cinco esculturas belamente executadas expandem os desafios sensoriais da instalação com seus retângulos perfeitos de portas e janelas de cubos modernistas que transbordam com móveis dinamicamente bagunçados. Os trabalhos tridimensionais, construídos com o mesmo plástico laminado que cobre a maioria dos móveis da instalação ou com a madeira oxidada para parecer aço, apresentam uma colisão entre as linhas icônicas do modernismo e a realidade física da entropia.

A relativa pequena escala desses trabalhos convida a uma intimidade; isto também provoca um forte desejo de impor um tipo de ordem. O impulso imediato do espectador é de amaciar o cubo, de restabelecer a linha. Porém este impulso é restrito pela constatação que qualquer intervenção na fisicalidade do objeto levaria apenas amais desestabilização e desconstrução dos ideais internos que queremos restaurar.

Num primeiro encontro, as fotografias granuladas das séries Nova eTemporária (ambas 2004-6) parecem ser baseadas nas esculturas da exposição. Elas são, ao invés, documentos de instalações executadas ao redor do núcleo de um cubo do tamanho de uma casa construída dentro de um espaço industrial cavernoso, o que gera um lugar estranho, não específico, em que a escala mais uma vez brinca com a nossa idéia do que é possível.

O efeito geral do trabalho de Bechara é amplificado nas fotografias da série Paisagem Doméstica ou não me lembro do que dissemos ontem(2002-6), onde o artista combina móveis fabricados em massa com residências produzidas em massa num cenário suburbano de verdade.Contra a parede exterior branca de uma casa, uma almofada bege, uma mesa de madeira vermelha com um número de série e uma almofada verde são projetadas de uma janela: o apropriado nome Boca assume características quase humanas. Os títulos de duas esculturas adjacentes, Gêmeas com sombra (2006) e Duas cabeças com amarelo (2006),reforçam a metáfora humana.

Apesar do mobiliário caótico de Bechara ser freqüentemente descrito como uma explosão vinda de dentro, não há evidência visual que sugira que não possa ser uma implosão – ou que ambas as ações estejam em curso, como se as casas estivessem respirando.

Os trabalhos de Bechara não são expressamente críticas dos ideais da arquitetura moderna, porém é claro que suas casas não são máquinas para serem habitadas; elas se aproximam mais de containeres permeáveis das vidas dentro delas e de todas as complicações que a vida implica.