Deambulações do Labirinto

Victor Gorgulho
Lisboa, Portugal, 2025
Texto escrito para a exposição “Deambulações no Labirinto”, de José Bechara na galeria Carlos Carvalho Arte Contemporânea, Lisboa, 2025

Se traduzida visualmente, a “imagem mental” de um labirinto pode, de imediato, nos conduzir à vertiginosa queda que logo desemboca em belezas, prazeres, medos, confabulações e questões infindas ligadas à existência humana e também ao fazer artístico. “Deambulações no labirinto”, título escolhido por José Bechara (Rio de Janeiro, 1957) para nomear a presente exposição, reúne um conjunto de obras inéditas do artista, sublinhando o caráter multidisciplinar de sua obra. 

Trabalhando em distintos suportes, Bechara transita por seu labirinto autoarquitetado com a destreza de um grande mestre: suas obras, sejam no campo da pintura, sejam no da escultura, da fotografia e além, compõem um coeso “corpo da obra” de um artista que busca produzir em diferentes meios e, continuamente, experimentar em distintas esferas. Tal caminhada, aqui partilhada pelo artista com os visitantes, revela-se como a de um flâneur a transitar por um difuso e infindo labirinto de possibilidades do fazer artístico,  tão erráticas quanto precisas, difusas mas também cartesianas. 

Em suas telas, Bechara elege, como ponto de partida de seu processo, tecidos que funcionaram, anteriormente, como lonas de caminhão de viagem; telas nada convencionais que já se encontram impregnadas de história, de vivências, além de se distanciarem um tanto da superfície limpa e asséptica do canvas branco. Trata-se de tecidos extensos, robustos, já marcados pelo tempo e repletos de manchas, áreas escurecidas, sinais da passagem dos anos e de sua existência. 

Sobre esses tecidos, o artista insere, pictoricamente, tanto uma espécie de grade – linhas e traços que aludem à ordem do grid moderno – como também realiza pinturas com motivos geométricos – esferas, quadrados, retângulos e afins. Vale sublinhar, aqui, o uso da tinta acrílica e de matérias oxidadas, a fundirem-se e criarem, juntas, uma sobreposição de volumes, cores e texturas. A convivência desses dois elementos nos revela uma pintura repleta de signos de memória, constituídos a partir do gesto poético do artista durante seu processo no ateliê. 

Neste novo conjunto de trabalhos, Bechara nos apresenta também à possibilidade de experimentação que extrapola a mera superfície da tela e ganha seus contornos. Em trabalhos de pequena escala, o artista realiza uma série de obras em formatos circulares e outros, de modo a criar uma relação metalinguística entre os diversos sinais geométricos existentes em sua pintura e o formato dos próprios trabalhos em si.

Cria-se, assim, um conjunto coeso que ora remete à difusão labiríntica evocada no título da mostra pelo artista, ora a um grupo de obras capazes de lançar luz não apenas sobre a prática multidisciplinar de Bechara, mas também de nos catapultar a imagens oníricas, terrenas, siderais, labirínticas, cartesianas e assim por diante, sem fim aparente. 

Victor Gorgulho